quinta-feira, agosto 12, 2010

RÉQUIEM POR UM CONDENADO

RÉQUIEM POR UM CONDENADO
Geir Campos  

Não é de hoje que se matam homens
Em nome da justiça, Caryl Chessman,
Das idiossincrasias dos verdugos:
houve tempo em que a morte era torneio
em circo de gladiadores
ou diversão na arena com leões,
e houve a morte na cruz, o empalamento,
a fogueira das Santa Inquisição,
a forca, o pelourinho, a guilhotina,
o muro emparelhando carabinas,
tiro simples na nuca, morte múltipla
em câmaras de gás, morte singela
numa cadeira elétrica
                                -  requintes
da guerra contra a vida em plena paz...
isso sem cogitar da morte escusa,
doméstica, abafada, sem jornais
-  do nadador trancado a pernoitar
no calabouço onde pernoita o mar,
do preso que se atira do sobrado
ao pétreo pátio adrede preparado...
São mortes
espetaculares umas,
veladas outras, planejadas todas;
e quanto mais se diz civilizada
a sociedade (com seus promotores
e os advogados e os legisladores
e os hermeneutas e as egrégias cortes
e as togas e as polícias e os carrascos)
tanto menos há de ostentar a morte
seu frio gume e sua boca de asco.
 
E assim foi, Caryl Chessman,
teu fim cercado de delicadezas,
com jantar à la carte e sobremesa,
palitos, guaradanapos, cafezinho,
tudo a amansar o morredor sozinho
em sua última noite social.
Manhã: tapete, padres, guardiães
solícitos, repórteres, visitas,
gente de longe a espiar pelos vidros
à prova de bala para te ver
encerrando tão brava resistência
nesse octógno verde onde se apura
o deus civil contra a própria criatura.
E que diplomacias, que cuidados
em te fazer partir de braços dados
com uma poltrona - vazia de sexo
como a sentença era falta de nexo.
Depois os
                limpos
                            grãos de cianureto
desenrolando em ácido os vapores
letais:
          nem disfarçaste os estertores
da carne tesa após 12 anos de incerteza.
 
O fim
          rápido, o forno crematório,
papel timbrado em seco relatório,
cinzas para a cidade onde nasceste,
desofícios de um credo que não leste...
 
E em
        todo o mundo
                              houve quem protestasse,
                                                   chorasse,
                                                   discutisse,
                                                   apedrejasse,
consulados em turbas exaltadas:
quantas dessas pessoas, entre tantas,
que a voz hoje levantam a apoiar-te,
cumpririam a sério a sua parte
na luta contra os erros consagrados
que te plasmaram entre os condenados
a essa e mais outras formas de vingança
de uma
           que se diz
                          civilização
incapaz de salvar uma criança?
 

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