quinta-feira, janeiro 21, 2010

A Festa de Babette

por Daniel P Correa 

No ultimo final de semana revi o maravilhoso filme A festa de Babette. Quem não viu, eu aconselho vê-lo. Ganhador do Oscar de melhor filme estrangeiro em 1988, é uma aula divertidíssima a respeito de um assunto tratado com muita dificuldade nas igrejas: a culpa e o prazer.

A história se passa no século 19, numa pequena cidade da região litorânea da Dinamarca. Lá vivem algumas famílias, entre elas, a de um severo pastor protestante junto a suas duas filhas. Tal pastor rege tanto a família como a igreja com regras rígidas. Suas filhas não casam, apesar de belas e desejadas pelos rapazes do vilarejo. Elas não vão à bailes nem lugar algum que não seja à igreja ou a casa de alguns privilegiados receptores das suas obras de caridade: elas servem sopa aos necessitados.

O pai pastor morre e elas permanecem fiéis ao que aprenderam. Mas o que parecia ser uma vida de alto nível moral, começa a desmanchar-se na medida que o tempo passa. Nas reuniões entre os irmãos da igreja, aparecem as rusgas e picuinhas. Ve-se que por trás de toda pompa religiosa, o que havia eram amarguras e traições. É aí que Babette, de origem francesa, refugiada da guerra civil, entra na história.

Após alguns anos trabalhando na casa das irmãs, chega da França a noticia que Babette ganhou na loteria. E com o premio, decide oferecer um jantar estilo francês a toda congregação, em homenagem ao velho pastor que completaria 100 anos naquele tempo.

A aceitação foi à muito custo. A culinária francesa era conhecida por suas extravagancias, entre elas a de preparar rãs na manteiga. Na cabeça deles, era coisa do diabo. Nos dias que antecederam o jantar, o pavor tomou conta dos convidados. Juntos, fizeram um pacto de não comentar uma palavra a respeito da comida. Ela serviria apenas para sustentar seus corpos e nada mais. Se pudessem, anulariam a capacidade da língua de sentir sabor.

Enquanto os ingredientes exóticos iam chegando no povoado, vindos de barco da França, o medo foi aumentando. Uma das irmãs tem pesadelos com a comida em meio ao fogo do inferno. Tal janta, dizem eles, podem os expor a forças malignas. Eis o dialogo entre eles:

  • Precisamos pedir a proteção divina.
  • Sim, salva teu povo, querido Jesus.
  • Sinto que nosso pai está nos vendo agora arruinar o seu nome em uma reunião satânica, diz uma das filhas do pastor.
  • Nós não diremos uma palavra sobre a comida, consola um irmão
  • O príncipe das trevas gostaria que perdêssemos o rumo das nossas vidas.
  • A mesa, usaremos nossas línguas para orar.
  • Será como se não tivéssemos paladar.

Vem o jantar e todas as maravilhas da cozinha francesa à mesa. Champanhe, vinhos, licor, café, frutas e queijos acompanham a janta. Todos lembram do pacto: não temos paladar! Mas é impossível não ter paladar na presença de tantas iguarias. O que vai em seguida é uma obra-prima. Eles começam a provar a comida que vai sendo servida e o prazer proporcionado por ela faz revolver dentro deles algo até então desconhecido, uma alegria de viver.

Estabelece-se um duelo interior entre o pacto firmado do Não-Prazer e a sensação prazerosa decorrente do que é servido. Como ficar indiferente a tantas maravilhas que só a mesa pode proporcionar? E é então que o milagre acontece. A amargura vai ficando para trás, eles começam a perdoar uns aos outros, alegram-se na companhia alheia, e ao final, saem todos juntos para cantar e dançar sob a luz da lua.

Apesar do filme se passar no século 19, a temática é muito atual. Poucos dias atrás eu estava escutando uma pregação onde uma irmã afirmava categoricamente que a comida servia apenas para sustentar o corpo e nada mais, sob um grande Amém dos presentes.

A origem de tal pensamento tem raiz na culpa, genitora de grande parte dos problemas psicológicos em geral. Em se tratando de doutrina cristã, então nem se fala. Já não bastasse a culpa natural da própria existência, durante os séculos, os cristãos se especializaram em ver pecado em tudo, até no que é bom e feito por Deus.

E o mais incrível de tudo é ver que eles estavam cheios de ódio e rancor uns pelos outros, mas com muito medo de que o príncipe das trevas os fizesse perder o rumo das suas vidas naquela janta. Precisa dizer mais?

Quem vê o diabo em tudo, acaba vendo-o onde ele não está

Ps: Não achei nenhum vídeo em português no youtube, mas este que vai abaixo pode ser entendido somente com as imagens.

4 comentários:

Hélio Pariz disse...

oi, Meire!

este é um dos meus filmes proferidos que tem um belíssimo discurso do general Loewenhielm durante o banquete, muito aproveitado pelo Philip Yancey, que tem o primeiro capítulo inteiro de "Maravilhosa Graça" dedicado à Festa de Babette.

a íntegra do discurso, segundo a autora do livro que inspirou o filme, Karen Blixen, está no meu blog:

http://ocontornodasombra.blogspot.com/2008/05/grandes-filmes-3.html

Graça e paz!

Meire disse...

Não li esse livro do Yancey, mas agora fiquei com vontade de ler. Valeu a dica.

Cristo, consolo para o cansado disse...

Olá querida! Também já assisti este filme e li este livro do Yancey é maravilhoso! Você vai chorar com o Pai Cego de Amor, toda vez que leio choro, é maravilhoso!
Também gostaria de indicar o filme "Os miseráveis", ele é antigo também, mas fala da graça de uma maneira espetacular! Vale a pena!
Gostei do teu blog e estou seguindo!
Fica na paz!

Meire disse...

Obrigado Sara, sua visita e sua opinião me fizeram muito bem.O filme Os Miseráveis é MARAVILHOSO, vou postar algo sobre ele.
Valeu a dica querida.