sábado, agosto 22, 2009

Felicidade


Felicidade

Olá.

Aproveitando a ocasião em que o assunto sobre o sofrimento está sendo debatido no podcast irmaos.com, gostaria de sugerir o excelente texto para a edificação de todos sobre a Felicidade produzido pelo Dr Peter Kreeft, filósofo e apologeta cristão, escritor de vários livros maravilhosos com destaque para Buscar sentido para o Sofrimento (Loyola) e Sócrates Vs Jesus - O debate (Vida). Que o Senhor possa nos fazer crescer em Intimidade a cada dia e possamos compreender que Alegria não é um estado subjetivo, mas uma situação Objetiva. Alegria é Graça. Jesus é a Graça encarnada. O Evangelho é Graça anunciada.

Forte abraço. Curtam a leitura.

FELICIDADE

Por Peter Kreeft

Áudio em inglês disponível em: http://www.peterkreeft.com/audio/06_happiness.htm

Meu assunto hoje é o conceito que Jesus tem da felicidade. E temos que começar pela mais simples e necessária preliminar, definindo esse termo.

Quase todo mundo, de Aristóteles a Freud, concorda que todos buscamos a felicidade. E que nós a procuramos como um fim, não como um meio. Ninguém procura a felicidade por qualquer outra razão. Nós argumentamos sobre outras coisas, mas não sobre a felicidade. Podemos dizer “de que vale a riqueza se ela não te faz feliz”, mas não diríamos “de que vale a felicidade se ela não te faz rico”.

Isso está claro, para os antigos, como Aristóteles, e também para os modernos, como Freud. Mas há uma diferença bastante significativa entre o significado tipicamente antigo e o significado tipicamente moderno de felicidade. Palavras antigas para a felicidade, como “eudaimonia”, ou “macarios”, em grego, ou “beatitudo”, em latim, significam verdadeira e real bem-aventurança (ou seja, uma pessoa abençoada).

A palavra moderna em inglês, happiness, normalmente significa tão somente uma satisfação ou contentamento subjetivo. Então, no inglês moderno, se você se sente feliz, então você é feliz! Não faz o menor sentido, no inglês moderno, dizer a alguém: “você pensa que é feliz, mas não é”. Mas esse é exatamente o assunto principal do livro mais famoso da história da filosofia, “A República”, de Platão. Que a justiça, a virtude que abrange todas as outras, sempre é proveitosa, ou seja, capaz de tornar feliz, e a injustiça nunca é. Portanto, o homem justo, como Sócrates, mesmo se ele não tem mais nada, é feliz. E o homem injusto não é, mesmo se ele tiver tudo o mais, como Gollum, com seu anel de poder e invisibilidade. Portanto, devemos distinguir o antigo conceito, que é realmente bem-aventurança (ser abençoado) do moderno, que é realmente contentamento. Eu estarei falando sobre bem- aventurança aqui.

A bem-aventurança (ou ser abençoado) difere do contentamento de quatro maneiras. Todas elas podem ser vistas analisando-se a palavra grega “eudaimonia”. Primeiro, começa o prefixo “eu”, que significa “bom”, implicando, portanto, que você tem que ser bom, moralmente bom, para ser feliz. Em segundo lugar, “daimon” significa “espírito”, implicando, portanto, que a felicidade é uma questão da alma, não do corpo e de suas fortunas e bens externos. Já “happiness”, ao contrário, vem da antiga palavra inglesa “hap”, que significa precisamente, fortuna, sorte, ou chance, que foi a única categoria de pensamento pagão que o cristianismo suprimiu, em todos os outros casos o cristianismo adicionou aos paganismo. Como disse G.K. Chesterton, resumindo toda a história espiritual em apenas três frases, “O paganismo foi a maior coisa do mundo. O cristianismo foi ainda maior. E tudo o mais desde então tem sido comparativamente menor”.

Se a bem-aventurança, o “ser abençoado” é espiritual, ele é livre. Você é responsável por sua “edaimonia”. Mas a “happiness” (felicidade) simplesmente “happens” (acontece). Em terceiro lugar, “eudaimonia” termina em “ia” que significa um estado duradouro, algo permanente. O contentamento é momentâneo. A bem-aventurança, ou o ser abençoado é para a vida toda. Tanto é assim que Aristóteles, em sua “Ética a Nicômaco”, não pôde chegar a uma conclusão se concordava ou não com a frase “só se pode chamar um homem de ‘feliz’ depois de sua morte”. Ou seja, espere pelo final da história, para julgar. Em quarto lugar, e mais importante de tudo, o estado de “eudaimonia” é objetivo, enquanto o contentamento é subjetivo. Quando falamos a palavra “felicidade”, geralmente confundimos esses dois sentidos, o antigo e o novo. E isso não é totalmente errado. Porque dentro do conceito antigo de felicidade também está presente o novo, de modo secundário. A necessidade de algum contentamento, paz de espírito, prazer, e ao menos um pouco do dom da fortuna. Bem, dentro do conceito moderno de felicidade, ou seja, dentro do contentamento subjetivo, também está presente, de modo secundário, um sentimento de necessidade de algo do ingrediente tipicamente antigo, a necessidade de pelo menos alguma virtude. O sentimento da felicidade ser profunda e duradoura, ou ser real, e merecida, ou verdadeira felicidade, seja lá o que for isso. Estamos prestes a explorar o conceito de Cristo da felicidade. Ele é tipicamente antigo – bem- aventurança, ser abençoado –, mas ele também inclui a ambiguidade mostrada acima, ou duplicidade de significado, satisfação subjetiva e perfeição objetiva.

Vejamos, primeiramente, o nosso conceito de felicidade. Quando eu falo de “nosso” conceito de felicidade, quem é esse “nós”? É a nossa cultura, o panorama mental em que todos nós habitamos, mesmo quando nos sentimos como alienígenas aqui. De modo geral, o ocidente moderno pós-cristão, mas, sendo mais específico, os Estados Unidos contemporâneo, como apareceria em pesquisas de opinião.

Se uma pesquisa de opinião pedisse aos americanos que listassem os nove ingredientes mais importantes para a vida feliz, eles provavelmente dariam uma resposta bastante parecida com a seguinte.

O primeiro, o mais óbvio, embora não o mais profundo ingrediente seria o bem-estar. Se você nota que seu amigo está com um grande sorriso no rosto hoje, provavelmente você diria para ele: “O que aconteceu com você, acabou de ganhar na loteria?”. Se é isso que você diria, é porque isso seria o que colocaria o maior sorriso no seu rosto. E, vamos ser sinceros, o dinheiro pode comprar tudo que pode ser comprado com dinheiro, o que engloba muitas coisas.

O segundo seria, talvez, o sucesso mais notável de nossa cultura, a conquista da natureza e da riqueza através da ciência e tecnologia, permitindo a cada um de nós ser um “Alexandre, o Grande, conquistador do mundo”.

O terceiro provavelmente seria a ausência de dor. Sinto que poucos de nós discordariam que a invenção mais valiosa de toda a história da tecnologia foram os anestésicos. O quarto provavelmente seria a auto-estima, o supremo bem, de acordo com praticamente toda a nova classe de profetas de nossa cultura, os psicólogos.

O quinto talvez seja a justiça, assegurar os direitos de alguém. Justiça e paz resumem os ideais sociais da maioria dos americanos. Os ideais que eles querem para si e para o resto do mundo. Em sexto, se formos sinceros, temos que incluir o sexo. Para muitos americanos, essa é a coisa mais perto do céu na terra, ou seja, êxtase, transcendência mística do “eu” – a não ser que sejam surfistas.

Sétimo – nós adoramos ganhar, seja na guerra, nos esportes, em jogos de azar, nos negócios, ou até mesmo em nossas fantasias. Nossa auto-estima positiva requer a crença de que somos vencedores, não perdedores. Queremos ser bem sucedidos, não derrotados. O oitavo – nós queremos ser honrados, aceitos, amados, compreendidos. Em nossa sociedade igualitária moderna, somos venerados não por ser superior, mas por ser mais um na multidão. Em sociedades mais antigas, era honrado quem era diferente, melhor, superior, excelente. Mas nós ainda temos sede de reconhecimento. Alguns chegam a querer ser famosos. Todos querem ser aceitos.

Nono – nós queremos vida. Uma vida longa, e uma vida saudável. Thomas Hobbes com certeza está certo em dizer que o medo de uma morte violenta, especialmente uma morte dolorosa e precoce, é muito poderoso. Sua vida não é feliz se ela lhe é tirada, obviamente. Isso tudo parece tão óbvio e tão sensato, que parece estar acima de qualquer argumento. Ideais superiores a esses são questionáveis, alguns o perseguem, outros não. Mas esses nove parecem ser firmes e inatacáveis, universais e necessários. Quem negasse que eles formam uma parte da felicidade seria um tolo. Quem afirmasse que a felicidade consiste no oposto seria insano.

Vamos agora fazer um exercício de pensamento fantasioso. Vamos supor que houve, em algum momento, um pregador que ensinou precisamente essa insanidade, ponto por ponto, deliberadamente e especificamente. Talvez você não consiga levar sua imaginação tão longe. Mas eu vou pedir que você vá ainda mais longe. Imagine esse homem se tornando o mestre mais famoso, amado, reverenciado, respeitado e acreditado da história do mundo. Imagine quase todas as pessoas do mundo, mesmo aqueles que não se classificam como seus discípulos, reverenciando ao menos sua sabedoria, especialmente sua sabedoria moral, especialmente o sermão mais famoso e amado que ele pregou, o “sermão da montanha” – o resumo de sua sabedoria moral – que começa com sua virada de 180 graus desses truísmos. Talvez você ache que isso é incrível demais para ser imaginado. Seria um milagre mais difícil de acreditar do que Deus se tornar um homem. Já é difícil o suficiente acreditar que uma pessoa possa crer na estranha noção cristã de que um certo homem – que iniciou sua vida como bebê, que teve que aprender a falar, e terminou executado como um criminoso, sangrou até a morte numa cruz, e nesse meio tempo se cansou, teve fome e sede, e sofrimento – é Deus, eterno, não-criado, imortal, infinitamente perfeito, onisciente, todo-poderoso, o Criador. Mas é ainda mais difícil acreditar que uma pessoa possa crer em seus paradoxos completamente devastadores sobre a felicidade.

Talvez, no final das contas, nós não acreditemos mesmo. Talvez nós acreditamos que acreditamos. Talvez tenhamos fé na nossa fé, ao invés de ter fé em seus ensinamentos. É claro que estou me referindo às oito bem-aventuranças de Cristo, que abrem o seu “sermão da montanha”, o sermão mais famoso já pregado, e a única parte do Novo Testamento que ainda é mantida como essencial, e válida, e verdadeira, e boa, e bela, mesmo pelos dissidentes, heréticos, revisionistas, desmitologizadores, céticos, modernistas, teólogos liberais, e qualquer um que não conseguem crer nas outras verdades do Novo Testamento ou do ensinamento da Igreja. Essas pessoas filtram o mosquito, mas engolem o camelo! Então, vamos examinar o camelo que eles engolem. Talvez eles só façam de conta que engolem. Talvez eles engulam somente sua própria saliva.

Para o nosso desejo de bem-estar, Cristo diz: “Abençoados são os pobres em espírito”. Para o nosso desejo de ausência de dor, Cristo diz: “Abençoados são os que choram”. Para o nosso desejo de conquista, Cristo diz; “Abençoados são os mansos”. Para o nosso desejo de contentamento para conosco mesmo, Cristo diz: “Abençoados são aqueles que têm fome e sede de retidão”. Para o nosso desejo de justiça, Ele diz: “Abençoados são os misericordiosos”. Para o nosso desejo de sexo, Ele diz: “Abençoados são os puros no coração”. Para o nosso desejo de vitória, Ele diz: “Abençoados são os que promovem a paz”. Para o nosso desejo de aceitação, Ele diz: “Abençoados são os perseguidos”. E para o nosso desejo por mais vida, ele oferece a cruz. E então, esse homem, carregando sua cruz para o Calvário, chega ao ponto de ousar nos dizer que “meu jugo é suave e meu fardo é leve”. Dizemos que somos abençoados, como indivíduos ou como nação, quando temos bem estar. Ele diz: “Não, somos abençoados quando somos pobres”. Pobres não somente na conta bancária, mas até mais que isso – não menos – pobre até as profundezas do coração, pobres em espírito, desapegado das riquezas. Quando a Universidade de Harvard convidou Madre Teresa para fazer um discurso na cerimônia de formatura, ela chocou a todos comentando o convite que lhe mandaram, referindo-se a ela como “a maior pessoa do mundo, na nação mais pobre do mundo, discursando para a nação mais rica do mundo”. Ela disse: “Não. A Índia não é uma nação pobre. Índia é uma nação muito rica. Ela tem uma série de riquezas, riquezas verdadeiras, riquezas espirituais. E os Estados Unidos não são uma nação rica. É uma nação pobre. Na verdade, uma nação desesperadamente pobre. Ela mata suas próprias crianças não nascidas. Por que? Porque as mães temem que essas crianças venham a ser pobres, ou que lhes tornarão pobres. Porque a mãe teme não ser capaz de sustentar essa criança, como se crianças fossem como carros, ou computadores, itens calculáveis no orçamento familiar; bens de consumo, ao invés de consumidores. Objetos, ao invés de sujeitos. Parte do círculo, ao invés de centro do círculo”.

A suposta insanidade do discurso de Cristo, então, acaba se tornando uma ilusão de perspectiva, em um hospício, do ponto de vista do doente mental, é a pessoa sã do exterior que é insana. Como é útil ter um suprimento contínuo de externos, os santos, para nos lembrar de onde vivemos, ou seja, em um asilo de loucos. Cristo nos dá um mapa para mostrar o quanto nos afastamos do Éden. O pobre em espírito, obviamente, não é o fraco de espírito. Eles são exatamente o oposto, eles são fortes o suficiente para se desapegar das riquezas, ou seja, do mundo todo. Eles são aqueles que são fortes o suficiente para não se tornarem escravos de seus próprios desejos pelas coisas desse mundo.

Bem, o que Cristo, afinal de contas, queria dizer com sua segunda beatitude? O lamento e o choro certamente não são uma expressão de contentamento, do estado de ausência de dor que todos nós desejamos como parte integrante da felicidade. Ainda assim, Cristo nos diz que os que choram são abençoados. Como é ridículo que algumas traduções da Bíblia traduzam “macarios” por “happy” (feliz) nesse verso. Em uma sociedade para a qual “felicidade” é simplesmente satisfação subjetiva, ou contentamento, essa tradução faria Cristo dizer: “Os que choram são contentes”, o que não é um paradoxo significativo, mas uma contradição sem sentido. O choro é a expressão do descontentamento interior, do abismo entre desejo e satisfação, ou seja, do sofrimento.

Buda fundou toda uma religião sobre o problema do sofrimento, ou “duka”, e sua causa, “tanha”, ou cobiça, desejo, e sua cura, o nobre caminho que leva ao “nirvana”, a abolição do sofrimento e de sua fonte. Ao contrário de Buda, Cristo veio não para nos livrar do sofrimento, mas para transformar seu sentido, para torná-lo salvífico. Ele veio para nos livrar do pecado, e Ele fez isso precisamente abraçando o sofrimento e a morte que são o resultado do pecado. Deve soar tão um absurdo para um budista dizer que o sofrimento é redentor, como soaria a um Cristão dizer que o pecado é redentor. Uma religião deve acusar a do erro mais prático e radical, confundindo o problema com a solução. A razão que Cristo deu para declarar os que choram abençoados, é que “eles serão confortados”. Pois, na esperança, esse futuro se torna presente. É verdade que todos vamos para o mesmo fim, seja caminhando para ser coroado rei, ou para ser pendurado na corda do traidor. Mas o destino futuro da jornada faz toda a diferença na própria jornada. Não apenas acidentalmente, mas essencialmente. E não apenas extrinsecamente, mas intrinsecamente. Uma jornada para ser enforcado é trágica, mesmo se for em um veículo confortável. Uma jornada para ser gloriosamente coroado, mesmo se for em um veículo desconfortável, é gloriosa. Santa Teresa dizia que, “Visto do ponto de vista do céu, a vida terrena mais terrivelmente dolorosa será não mais do que uma noite mal dormida em uma hospedaria desconfortável”. E Cristo tem o ponto de vista do céu! Cristo é o ponto de vista do céu. Cristo é o céu. Ao nos doar a si mesmo, Ele nos deu o céu, e o ponto de vista do céu, que é o seu ponto de vista.

Os mansos, que herdarão a terra, a quem Cristo chama abençoados, quem são eles? Eles não são conhecidos. Eles não desejam honra, fama ou glória. Eles normalmente não possuem isso. Todos queremos ser conhecidos. Mas Deus, que é supremamente abençoado, é anônimo! Ele trabalha através da natureza, na maior parte do tempo. Ele reluta em fazer milagres. Ele se esconde, ao invés de mostrar continuamente sua Glória. Ele veio como um bebê, e morreu como um criminoso executado, e deixou-se ser ignorado. Ele se deixa servir de alimento diariamente, naquilo que parece um pequeno pedaço de pão. Ele é completamente manso, e completamente abençoado. Se formos completamente mansos, seremos completamente abençoados. Se formos parcialmente mansos, seremos parcialmente abençoados. Se não formos mansos, não seremos abençoados, pois Deus é a fonte de todas as bênçãos. Deus é manso! O efeito não pode ser o oposto da causa. A mansidão que Cristo chama de abençoada na sua terceira bem-aventurança está em profundo e claro contraste com o desejo de conquistar a natureza que Francis Bacon declarou ser o novo summum bonum (bem supremo), o novo sentido da vida na terra. E, ao desejo de conquistar a fortuna, que foi o novo bem supremo de Maquiavel. Mas não é o contraste que o mundo imagina. Não é uma bênção para os tímidos, afeminados, reservados ou nerds. Os mansos são aqueles que não causam prejuízo, que não vêem a vida como competitiva, porque eles entendem as duas premissas a partir das quais essa conclusão logicamente deriva. Primeiro, que as melhores coisas da vida são coisas espirituais, não materiais, e que o sentido da vida deve ser encontrado na sabedoria, no amor e na criatividade, em compreensão, santidade e beleza, ao invés de no dinheiro, no poder, fama ou terras, ou conquistas atléticas militares. E eles compreendem o segundo princípio também, de que as coisas espirituais não são competitivas. De que elas se multiplicam quando compartilhadas, enquanto as coisas materiais se dividem quando compartilhadas.

Já que a felicidade depende de compreender as melhores coisas da vida, e já que as melhores coisas da vida são espirituais, e já que as coisas espirituais não diminuem quando compartilhadas, e já que as coisas que não diminuem quando compartilhadas não podem ser conquistadas pela competição, e já que a competição é a alternativa à mansidão, portanto, a mansidão leva à felicidade. Não devemos nos surpreender se Cristo, o “Logos”, é pelo menos tão lógico quanto Sócrates. Ou de que nós não somos. É por isso que suas pras razões parecem tão paradoxais para nós. Como disse Chesterton (é impossível parar de ler Chesterton, é como parar de comer batata frita), “é porque nos sustentamos pela cabeça que a filosofia de Cristo nos parece de cabeça para baixo”. Estamos olhando para a terra e nos rebelando contra os céus.

A quarta beatitude de Cristo – abençoados são os que têm fome e sede de retidão – atinge profundamente o coração do mundo moderno. Mostra uma diferença marcante entre a nossa cultura e todas as outras, especialmente nossa própria história nossa própria cultura no passado. Solzhenitsyn disse, em seu chocante discurso na cerimônia de formatura de Harvard em 1978, “Nada nos distingue mais claramente do que nossa falta de coragem, nossa falta de paixão”. Você vê isso claramente quando vive em outra cultura, ou mesmo ao ler os escritos de outra cultura, como a da Idade Média ou do Antigo Israel. Kierkegaard disse, “Deixe que os outros reclamem que nossa época é má, minha alegação é de que ela é miserável, pois lhe falta paixão. Os pensamentos dos homens são delicados e frágeis como laços. Eles próprios são dignos de pena, como os que fazem o laço. Os pensamentos de seus corações são muito insignificantes para serem pecaminosos. Pois a verme pode-se culpar por ter tais pensamentos, mas não a um ser feito à imagem de Deus. Mesmo suas concupiscências são tolas e lentas, suas paixões adormecidas. Elas cumprem suas funções essas almas, mas acham que mesmo se Deus mantivesse um cuidadoso arquivo de livros, eles ainda poderiam enganá- lo um pouco. Essa é a razão pela qual minha alma sempre se volta para o Novo Testamento e para Shakespeare. Os que falam lá ao menos são seres humanos. Eles odeiam, eles amam, eles matam seus inimigos e amaldiçoam os que os perseguem por gerações. Eles pecam!”. O maior bem, de acordo com os principais profetas de nossa sociedade, é a auto-estima, a auto-satisfação. Cristo nos choca, abençoando a insatisfação. Não a insatisfação com nosso lugar no mundo, não a ambição mundana, o motor do “sonho americano”, sedento de honra, glória, fama, poder, bem estar ou sucesso, mas a fome e sede de retidão! De santidade! Insatisfação com nossos pecados. Desejo apaixonado por uma santidade que sabemos que não temos, e sabemos que temos que ter. Há uma coisa na vida de todos os santos, que nos afasta e retira de nós a arma de evangelização mais efetiva do arsenal da Igreja – usar a vida dos santos – e essa coisa é a insistência apaixonada dos santos de que eles são grandes pecadores, e sua insistente paixão pela santidade. Não é que não admiremos a santidade, é que não admiramos a paixão pela santidade, a fome e sede por retidão. O que Cristo abençoa, nós amaldiçoamos como fanatismo, o pior insulto de nossa cultura sofisticada e relativa. Mas isso é a bênção de Cristo! Mais do que uma bênção, é um requerimento! É o que Nosso Senhor requer que tenhamos, a fim de sermos dEle., ou seja, a fim de sermos um santo, ou seja, um fanático. Amar uma só coisa infinitamente, apostar todas as nossas fichas nisso. Há uma só pérola de grande preço. Ele usa uma palavra chocante para nosso “bom-mocismo”. “Porque não sois quentes nem frios, eu os vomitarei de minha boca”. Ele só está contente conosco quando estamos descontentes conosco mesmo.

Freud escreveu que o sucesso de nossa civilização em procurar o contentamento produziu, ao contrário, grande descontentamento. Uma questão profunda. Mas ele não sabia a resposta do porquê. Acho que foi a coisa mais profunda que ele escreveu. Ele ficou a apenas um passo, apenas um passo da grande resposta de Sto. Agostinho: “Nossos corações estão inquietos enquanto não descansam em Deus”. Pascal, por outro lado, sabia porque. Pois seu paciente, ao contrário de Freud, foi ele mesmo. E seu psicoanalista, ao contrário de Freud, não foi ele próprio, mas Cristo. E, portanto, ele sabia porque multiplicamos nossa paixão por pequenas coisas, e diminuímos nossa paixão pelas grandes coisas. Porque multiplicamos desvios e cultivamos a indiferença, especialmente com relação à morte e nosso destino eterno. Ele sabia de onde vinha essa doença. Ele escreveu, “O fato de que existem homens que são indiferentes à perda de todo seu ser na perdição de uma eterna danação vai contra a natureza. Com tudo o mais eles são bem diferentes. Eles temem as coisas mais simples, eles as prevêem e as sentem. O mesmo homem que gasta muitos dias e noites em fúria e desespero por ter perdido um emprego, por uma afronta imaginária à sua honra, é o mesmo que sabe que vai perder tudo com a morte, mas não sente ansiedade nem emoção. É uma coisa monstruosa ver o mesmo coração, tão sensível para com coisas menores, e tão estranhamente insensível para com as maiores. É um feitiço incompreensível, um torpor sobrenatural, que aponta para um poder sobrenatural como sua causa.

Muitos pensadores escreveram frases que começam assim: “Há apenas dois tipos de pessoas”, ou “Há apenas três tipos de pessoas”. Na verdade, uma versão diz que, “Há apenas dois tipos de pessoas, aqueles que acreditam que só há dois tipos de pessoas, e os que não acreditam”. Mas a versão de Pascal é a melhor que eu já ouvi. Ele escreve: “Há apenas três tipos de pessoas. Aqueles que procuram a Deus e o encontraram, esses são sábios e felizes; aqueles que buscam a Deus mas ainda não o encontraram, esses são sábios e infelizes; e aqueles que vivem sem procurar nem encontrar a Deus, e esses não possuem sabedoria e são infelizes”. Veja que é o procurar, é a “fome” e a “sede” que faz toda diferença. Na verdade faz uma diferença eterna. Jesus disse, ainda com mais sucesso que Pascal – Jesus falou mais sucintamente do que qualquer um jamais falou – “Procurai e encontrareis”, o que implica que os que não procuram não acham. Os fariseus eram do tipo de pessoas que não procurava, assim como os psicólogos, cheios de auto-estima. Portanto, Ele disse que veio ao mundo para salvar a todos, menos a eles. Ele disse, “Os que estão doentes precisam de médico, não aqueles que estão bem. Eu vim chamar não os justos, mas os pecadores. Sócrates disse a mesma coisa, no nível intelectual, de que “Há apenas dois tipos de pessoas: tolos que se dizem sábios, e sábios se dizem tolos”. Pascal disse que há dois tipos de pessoas: “Pecadores que acreditam ser santos, e santos que acreditam ser pecadores”. Jesus disse que os tolos e os santos estão certos. E o teste empírico claro para a diferença entre eles é a “fome e a sede”, a paixão, o descontentamento. Quando Cristo diz que aqueles que têm fome e sede de retidão, ou seja, de santidade serão saciados, queria dizer que serão saciados apenas na próxima vida? Eu penso que Ele quis dizer que eles começarão a se saciar ainda nesta vida. Já nesta vida os santos têm uma paz e uma alegria que o mundo não pode dar. Eles são, ao mesmo tempo, insatisfeitos e satisfeitos. Como Romeu com Julieta. Como você ouvindo uma grande sinfonia, ou vendo um grande tempestade no mar. Por um maravilhoso paradoxo, a recusa de aceitar a auto-estima acaba se tornando a maior das auto-estimas. Aceitar o título “pecador” significa que você é o filho do rei, agindo como um macaco. Recusar esse título, e aceitar a si mesmo como é, significa que você é somente um macaco esperto, bem sucedido e desenvolvido, mesmo quando age como um príncipe. Que privilégio é dizer “Oh, graça admirável, quão suave é que tenhas salvo um miserável como eu”. Nenhum macaco, por mais desenvolvido que seja, pode subir ao patamar de dignidade de ser um miserável. Somente uma pessoa destinada ao infinito, eterno e inimaginável êxtase do matrimônio espiritual com Deus pode ousar ter a dignidade de ser um miserável. Somente quem está prometido em matrimônio é miserável até que se una com o Esposo.

Quinto. Nós queremos nossos direitos. É por isso que, se somos morais, trabalhamos pela justiça, pelo direito dos outros. Estaremos praticando a regra de ouro, o imperativo categórico. Isso é justiça. Cristo não a condena, mas Ele não chama isso de “abençoado”. Porque isso é apenas um mínimo, não um máximo. Isso é apenas o começo, não o fim. A fundação, não a casa. Não é suficiente. A justiça, sozinha, não pode garantir a paz. No mundo, na família ou nas amizades. Apenas a misericórdia pode. Nossa esperança não deve essa vontade de obter justiça. Meu Deus, que seria de nós se fosse. Nossa esperança está na misericórdia. Foi a misericórdia que nos criou. Como poderíamos sequer merecer a dignidade da existência, se nós não existíamos? Foi a misericórdia que nos redimiu, poupando-nos da justiça que merecíamos por causa de nossos pecados. E é a misericórdia que vai, gratuitamente e graciosamente, nos levar mais alto que os anjos, unindo-nos à natureza divina. Cristo não se tornou um anjo, e nenhum anjo vai se tornar hipostaticamente unido com Deus. Uma pessoa que com certeza sabia o que dizia, nos disse que “é maior bênção dar do que receber”. O simples ato de dar, necessariamente é melhor, incluindo o ato de conceder misericórdia. Nós não concedemos misericórdia a fim de obter misericórdia. Isso é a justiça, não a misericórdia. Nós damos misericórdia a fim de que os outros possam receber misericórdia. E somente assim, somente dando, sem a intenção de receber misericórdia é que nós podemos receber misericórdia. Não dos humanos para os quais a concedemos, mas de Deus, que começou essa troca de doadores de misericórdia, pela misericórdia da Criação, e terminando com a misericórdia da redenção e glorificação. O livro do Apocalipse não deve ser chamado de “julgamento final”, mas de “misericórdia final”.

Sexto. Quando ouvimos a palavra “pureza”, na bem-aventurança “Abençoados são os puros de coração”, nós imediatamente pensamos na pureza sexual. Talvez Cristo tivesse isso em mente, talvez não. Mas nossa reação nos diz algo de significativo sobre nós, qual seja, que o sexo é o novo deus de nossa sociedade, o novo absoluto. Tudo é feito, tolerado, sacrificado, justificado, santificado ou glorificado por esse deus. Um terço de nossas mães americanas mata seus próprios filhos não nascidos em sacrifício a esse deus. É óbvio que o aborto é por causa do sexo. A única razão para o aborto é ter sexo sem bebês. O aborto é uma contracepção tardia. Ou, olhe para a aceitação do divórcio. Família, a célula constitutiva absolutamente necessária de qualquer sociedade é destruída por esse deus. Metade dos cidadãos americanos comete suicídio por esse deus, pois o divórcio é o suicídio da “uma só carne” que o amor havia criado. Ninguém justifica mentir, enganar, trair, quebrar promessas, devastar e prejudicar estranhos, mas nós justificamos, nós esperamos, nós toleramos fazer isso com a única pessoa a quem nós prometemos mais seriamente ser fiéis para sempre. Nós justificamos o divórcio! Ninguém justifica abuso de crianças, a não ser por sexo. O divórcio é o abuso de crianças para obter sexo. Mesmo todas as igrejas justificam o divórcio, exceto uma. Uma que não alega ter autoridade para corrigir Cristo, e ela é acusada de ser autoritária. Porque a pureza de coração é abençoada? Não parece ser. Bem, porque a concupiscência dá uma sensação imediata de prazer, a bem-aventurança de Cristo, que diz que abençoados são os puros de coração, ou seja, pureza de desejos, nos atinge como um paradoxo. Mas tudo que é natural é mais feliz, e mais abençoada em sua condição pura e natural. São Tomás de Aquino deduz, a partir desse princípio, que o prazer sexual era muito maior antes da queda do paraíso. Quando Cristo especifica a recompensa como “verão a Deus”, não quer dizer somente na próxima vida. Ele não quer dizer simplesmente que vamos ganhar camarotes ao invés de sentar na arquibancada de cimento no estádio do céu, como uma justa recompensa por ter pago ingressos mais caros aqui na terra. A recompensa pode ser experimentada nessa vida. O próprio São Tomás de Aquino exemplifica. Sua maravilhosa clareza de idéias veio parcialmente de sua pureza de coração. Um dom que lhe foi sobrenaturalmente concedido em um ponto específico de sua vida, quando ele resistiu às tentativas de seu irmão de seduzi-lo para sair da ordem Dominica com um prostituta. Então sua mente estava livre das paixões, livre para a grande vocação que Deus havia planejado para ele. Muitos leitores modernos ficam muito surpresos ao descobrir que todos os doutores da Igreja, incluindo Santo Agostinho, São Tomás e São João da Cruz localizam o principal dano da luxúria (ou concupiscência) no obscurecimento da razão, um notável encurtamento da visão, da perspectiva. Certamente há uma íntima conexão entre a impureza do desejo da maioria dos estudantes modernos e a impureza de sua motivação para a educação. Entre o declínio do amor sexual pelo outro por causa do outro, e do amor intelectual da verdade por causa da verdade. Uma conexão entre o pensamento contemplativo e respeito para com as mentes feitas verdade, e o pensamento contemplativo e respeito para com os corpos. Amar a verdade, primeiramente por causa dela mesmo é uma coisa. Amá-la primeiramente por causa de si próprio, para um fim pessoal posterior, utilitário, instrumental e pragmático é outra coisa. Essa é uma forma de impureza do coração. Uma espécie de prostituição intelectual. E isso tem amaldiçoado a filosofia moderna desde Bacon.

A bênção que Jesus promete aqui é verificável nessa vida, na experiência, embora vá ser aperfeiçoada na próxima. Quantos teólogos falham em ver Deus, em compreender puramente, por causa de desejos impuros. Quase todas as discordâncias teológicas em nossa era – dissensão costumava-se chamar heresia – incrivelmente são focadas na moralidade sexual. Suspeitam ser, parecem como viciados obcecados pela sua droga, e não ligando muito para mais nada. É por isso que as homilias são tão confusas, e por isso nunca ouvimos uma homilia sobre moralidade sexual, embora esse seja o assunto mais controverso e causador de divisões em nossa Igreja e em nossa cultura hoje. Será que a falta da bênção de compreender Deus, e o fato de que nossas crianças sofrem com a falta quase completa de uma educação teológica básica é porque os educadores, os escritores desses livros incrivelmente tolos não possuem o puro desejo pela verdade que Cristo especifica como a virtude que concede essa recompensa? Se analisarmos o sangue que é bombeado para seus cérebros, talvez o encontremos misturado com líquidos dos órgãos baixos. Será que nossa linguagem litúrgica, e especialmente nossa música litúrgica é tão fascinantemente tola, e brilhantemente estupidificada, e apaixonadamente ineficaz é porque as paixões dos liturgistas estão desordenadas? Sétimo. Cristo abençoa não a paz, mas os promotores da paz. Os promotores da paz não são pacifistas. Os promotores da paz são guerreiros. Mas eles são guerreiros espirituais. Guerreiros que lutam contra a guerra. Algumas vezes a guerra só pode ser conquistada pela guerra. Todo mundo fala bem de promover a paz, como então isso pode ser contra cultural – exceto para os terroristas? Porque a paz que Cristo prega é uma paz que o mundo não pode dar. Não é a paz que o mundo pode dar. É paz com o próximo, consigo mesmo e com Deus. Não com o mundo, a carne e o demônio. Não é paz com cobiça, luxúria e orgulho, mas a paz que vem com a pobreza, a castidade e a obediência, três das virtudes mais contra-culturais. Esses dois tipos de paz estão, na verdade, em guerra um com o outro. Os promotores da paz do nosso mundo conciliarão sua paz com a paz de Cristo, mas só enquanto não tiverem que abdicar da paz mundana, só se não tiverem que lutar por ela. Portanto, paradoxalmente, nos falta a verdadeira paz porque relutamos em guerrear contra os inimigos da paz. E também porque não colocamos os três ingredientes da paz de Cristo na ordem correta. Falamos incessantemente sobre estar em paz com o próximo, mas raramente sobre estar em paz com Deus. Thomas Merton nos lembra dessa ordem necessária em três sentenças maravilhosamente simples. Ele diz, “Não estamos em paz uns com os outros porque não estamos em paz conosco mesmo, e não estamos em paz conosco porque não estamos em paz com Deus”. Cristo faz o mesmo, colocando o primeiro Mandamento da Lei em primeiro lugar, como fez Moisés. Precisamos reaprender a lição número um.

Cristo abençoa os promotores da paz, mas quando você está em guerra, você só pode fazer a paz se engajando na guerra e vencendo-a. O cristianismo é julgador, e repressivo, e negativo, pois o cristianismo diz para nós que estamos em guerra desde um certo incidente acontecido no Éden, e a guerra julga o inimigo (é por isso que uma guerra é declarada, porque um juízo foi feito sobre um inimigo) e reprime o inimigo (esse é o conceito de defesa, reprimir o ataque do inimigo) e nega o inimigo, destrói o inimigo – essa é a definição de ataque, destruir a defesa do inimigo. Nossos inimigos são reais, tão reais como a carne e o sangue. Eles são principados e potestades. Eles não são homens, eles são demônios. E há também os nossos próprios pecados. Nosso Senhor nos disse que veio ao mundo para nos trazer a espada, para lutar e vencer essa guerra. A espada é uma cruz. A felicidade não consiste em pacifismo, a felicidade consiste em paz. E a paz só pode ser conseguida lutando e vencendo uma guerra para fazer a paz. A cruz é como uma seringa, ela nos dá uma transfusão de sangue. É o oposto de uma espada normal. O que Cristo faz é exatamente o oposto do que Drácula faz. Drácula, assim como os demônios, tira nosso sangue, nossa vida. Cristo nos dá uma transfusão de sangue. Estamos em um campo de batalha entre Cristo e Drácula.

Quando Cristo diz que os promotores da paz são abençoados porque eles serão chamados filhos de Deus, Ele não quer dizer que promover a paz é a causa e ser um filho de Deus é o efeito, mas o contrário. Apenas os filhos de Deus podem fazer a paz de Deus, fazer o trabalho de Deus. Promover a paz é o efeito. Mas os promotores da paz são chamados filhos de Deus, eles são conhecidos como filhos de Deus porque nós reconhecemos a causa através do efeito. A oitava bem-aventurança ou beatitude abençoa não a dor ou o sofrimento, mas a perseguição. Ou seja, o sofrimento imposto pela rejeição e pelo ódio. Essa é a única das bem- aventuranças que Cristo repete, tanto para enfatizá-la como a beatitude mais horrível de todas, como para enfatizar que não é apenas a dor, mas é a rejeição, a injúria, a calúnia que é abençoada. Mas como pode ser isso? Todo mundo quer ser amado. Como o fato de ser odiado pode ser abençoado? Uma possível explicação é completamente inconsistente com Cristo. Uma espécie de desdenhosa superioridade, como se fosse abençoado dizer àqueles que nos odeiam, “Eu não iria querer amor de tolos inúteis como vocês”. Certamente é uma grande pena que os perseguidores sejam tolos. É claro que eles não são tolos inúteis, se fossem, não haveria razão para termos pena deles. E, portanto, a lástima de nossa parte, por eles não serem abençoados é real, se amamos nossos inimigos, como Cristo faz, e nos manda fazer: “Amai vossos inimigos”. Note que Ele não diz, “Não use a palavra ‘inimigo’, não fica bem”. Nós temos inimigos, mas devemos amá-los. A recompensa que torna a perseguição abençoada é a mesma que torna a pobreza abençoada: o Reino dos Céus. A perseguição tem a mesma bênção da pobreza, porque a perseguição é uma forma de pobreza. Pobreza não de dinheiro, mas de amor, ou seja, de ser amado. Tanto o dinheiro quanto o amor só são abençoados quando são dados, pois há mais bênção em dar do que em receber.

Nós ansiamos desesperadamente pelo amor do mundo. Mas o mundo não é Cristo, o mundo é decaído, ele caiu no conhecimento do bem e do mal. O mundo, portanto, tem medo de Cristo, como a cárie tem medo do dentista, ou como o mentiroso tem medo da luz. Eu uso “mundo” aqui no sentido das escrituras, não como o planeta, “gaia”, a matéria, que Deus criou boa, mas como a palavra “eon” que designa o tempo do pecado, o reino do demônio.

A perseguição não é, por si mesma, abençoada. Mas se torna bênção se for perseguição por causa da retidão, por causa de Deus, não apenas explicitamente, mas também implicitamente, ou seja, se você for perseguido por ser aquilo que Deus é, por ser como Deus, por ser reto. Portanto, o pagão que é justo, como Sócrates, também é abençoado quando ele é mal- compreendido, odiado, rejeitado, perseguido e morto, como Cristo.

Assim como sua promoção da paz é um sinal de que você é filho de Deus, e, portanto, abençoado, também ser perseguido por causa de sua retidão é um sinal de que você é um membro de Seu Reino, e, portanto, abençoado. A bênção vem apenas do que é bom, e a perseguição, a pobreza etc não são bons em si mesmo, Cristo não é um estóico, um hindu ou um budista. A bênção não vem do desprezo das coisas boas desse mundo, que Deus criou, nem de ver esse mundo como uma ilusão, nem do esperto dispositivo da eutanásia espiritual, onde os nossos desejos pelas coisas são cortadas, de modo a evitar o sofrimento que elas trazem. Não, o cristão conhece algo real e bom por si mesmo, que o estóico, o hindu e o budista não conhecem, embora eles talvez implicitamente o busquem, e talvez até encontrem, no final. E essa coisa é, simplesmente, Jesus Cristo. Ele torna abençoados até mesmos os pregos de sua cruz, e apenas Ele os faz abençoados.

Nosso nono desejo é pela vida. E a nona bênção é a morte! A morte contém todos os outros paradoxos. Cristo nos ensina essa bênção ou bem-aventurança da morte não em palavras apenas, mas também com atos, com sua cruz, que resume todas as beatitudes (bem- aventuranças). E a cruz revela a fonte secreta de todas as oito bem-aventuranças. O fato histórico, não o princípio abstrato, de que Deus, por completo amor por nós, encarnou-se, morreu e ressuscitou para nos salvar do pecado e da morte. Como diz Dorothy Sayers, “O dogma é o drama”. Por esse dramático acontecimento, a própria morte foi transformada em um instrumento para a vida. Então quando a enchente da vida infinita de Deus entrou em nosso mundo, não apenas conquistou a morte, mas tornou a própria morte do instrumento mais poderoso da vida. Nas palavras de uma antiga oração, “Tu fizeste a morte gloriosa e triunfante, pois através de seus portais entramos na presença do Deus vivo”. Nós antecipamos essa morte final e sua bem-aventurança final em todas as nossas pequenas mortes agora. Nossa participação nas oito bem-aventuranças de Cristo são essas pequenas mortes. Não apenas a antecipamos, mas na verdade participamos dessa morte final com essas nossas pequenas mortes. As mortes reais, pequenas e ordinárias que fazemos todos os dias. E nós também antecipamos, e na verdade participamos na bem-aventurança ou bênção final – a presença do Deus vivo – toda vez que abrimos nossos olhos e vemos quem é Aquele que está realmente presente ali. Onde nossos olhos vêem o mais não-dramático bocado de pão branco, veja só quem está presente. Que absurdo que achemos mais fácil nos levantar quando estamos de joelhos, do que nos ajoelhar se estamos em pé.

A felicidade secreta é muito simples. É Jesus! Não apenas a filosofia de Jesus, mas Jesus, Sua presença Real. Ele de fato vem a nós nos veículos mais inesperados, como a pobreza, a dor, a perseguição. Ele tem veículos de gosto duvidoso. Ele entrou em Jerusalém em um jumento. E quando Ele vem, Ele age, com poder, embora normalmente com sutileza, não com espalhafato. Ele de fato realiza Sua obra! Eu sou perseguido pelo fantasma das minhas memórias de umas poucas horas preciosas em companhia dos dois grupos de pessoas mais felizes que já vi na minha vida. Em ambos os casos, era fui para falar para elas. Em ambos os casos elas falaram para mim, em pouquíssimas palavras, como Madre Teresa, como Jesus. Um grupo foi, realmente, de irmãs da congregação de Santa Teresa, no pior cortiço de Boston. Outro foi em um convento de carmelitas contemplativas em Denver, Massachussets. O que elas disseram para mim, simplesmente sendo quem são, foi inconfundível: “Veja como sou feliz! Veja como Jesus me faz feliz!”. É assim que a felicidade acontece (how happiness happens). Não é tanto ensinada, como a matemática, mas capturada.

A Igreja atua na propagação da boa infecção, e isso é a nova evangelização. E é também a velha evangelização, que ganhou o mundo há dois mil anos. E vai ganhar de novo, pois não há argumento contra a verdadeira felicidade. Os sorrisos dos santos são o argumento que vão ganhar o mundo para Cristo de novo. Eles são indiscutíveis, contra eles não há argumento. Só uma coisa, então, é necessária para criar um mundo de felicidade, do pólo norte ao pólo sul. E não é fazer as muitas coisas boas que Marta fez, mas fazer a única coisa que Maria fez, apenas sentar aos pés de Jesus. Apenas estar em Sua presença, conhecer o Seu amor, todo dia. Esse é o único segredo escandalosamente simples da felicidade.

Obrigado por escutarem esse purgatório que foi essa longa palestra, agora vamos para o céu das perguntas.

Eu não disse nada muito criativo, original, ou acadêmico, eu sou um “hobbit”, “hobbits” gostam de dizer coisas que conhecem várias e várias vezes. Tenho certeza que já sabem de tudo que falei, mas, de qualquer modo, vocês podem ter questões sobre isso.

Fonte: site irmaos.com

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